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segunda-feira, 10 de março de 2014

A Saga em busca da Tatuagem de Bambu: Perrengues e apuros nos arredores de Siem Reap


Desenho e aprecio artes visuais desde que me conheço por gente, e passei a me dedicar às aulas de desenho e pintura aos 15 anos de idade, época em que inevitavelmente conheci melhor a arte de desenhar no corpo humano, e as suas variadas técnicas de execução. Foi nessa mesma época em que eu tive os primeiros contatos com as tatuagens elaboradas pela técnica milenar do bambu.


Para quem não conhece, a arte da tatuagem feita com uma vareta de bambu é uma técnica milenar e pouco convencional nos dias de hoje. Conhecida também como “Sak-Yant”, (do tailandês “Sak”, que significa “tatuagem, e “Yant”, que significa desenho sagrado), esse tipo de tatuagem é mais facilmente encontrada em alguns lugares da Ásia como a Tailândia e o Camboja, e possuem significados sagrados bem como atraem proteção divina e boa sorte, segundo a mitologia asiática.

Esses desenhos sagrados surgiram originalmente na Índia, mas foram sendo modificados ao longo do tempo por mestres religiosos que adicionavam outros desenhos baseados nas visões que obtinham em suas meditações diárias. Tais desenhos também são atualmente gravados em outras superfícies como madeira, couro, tecido e muito utilizados na Tailândia como forma de amuleto de proteção para a má sorte, doença e todo e qualquer tipo de perigo.

Via de regra, as Sak-Yant são realizadas em países asiáticos de forte influência da religião budista, sendo feita pelos próprios monges durante rituais de orações. Segundo a teoria e religião budista, a pessoa que recebe uma tatuagem Sak-Yant deve passar antes por um preparo espiritual para que a tatuagem realmente exerça seus efeitos abrangentes de proteção divina, bem como abster-se de diversas condutas humanas consideradas impuras, como por exemplo não matar, não roubar, não beber, e não falar com ninguém nos dias que sucedem ao recebimento do desenho na pele (matar e roubar ok, mas não beber e não falar com ninguém é sacanagem! hahaha).

Já que eu não iria conseguir ficar sem falar com ninguém durante dias e parar de beber é uma missão difícil, à priori eu não teria como receber uma Sak-Yant em sua forma legítima de execução, acompanhada de todos os seus rituais feitos por monges budistas. Também na correria da elaboração do meu roteiro de viagem eu acabei não pesquisando muito a fundo os requisitos para participar das referidas cerimônias nem o local preciso de onde encontrá-las, então acabei não muito bem informada acerca do assunto quanto deveria.

O fato era que eu viajaria em poucos dias e eu havia decidido que não perderia a oportunidade de fazer uma tatuagem com a técnica do bambu e com um símbolo daquela cultura riquíssima que eu tanto gosto, e eu queria fazê-la no Camboja, a qualquer custo. Pensei, estúdios de tatuagens para turistas não devem faltar em Siem Reap, tranquilo, moleza. Mal eu sabia como era doce a ilusão.

Primeiramente, quando cheguei em Siem Reap saí na procura enlouquecida por algum tatuador de bambu, pelas ruas de Siem Reap. Virei a Pub Street de cabeça para baixo e nada. Perguntava e pedia informação à vários locais e os poucos que me entendiam diziam não saber, ou me indicavam um local onde eu me dirigia e nada encontrava. A noite começou a cair e o cansaço também e eu desisti. Missão Bamboo Tattoo primeiro dia falida.

No dia seguinte, depois de finalizar meu tour pelos templos do Angkor Wat, por volta das 16 horas da tarde, ao deixar o complexo, eu caí na besteira de perguntar ao meu motorista: “Hey dude, do you know where can I find bamboo tattoo¿”. E ele amigavelmente respondeu “Yes lady, I can show you now!”. E eu pensei, oba! Mais fácil do que eu imaginava! Pela reação carismática e alegre dele, provavelmente ele deve conhecer os melhores tatuadores cambojanos e quem sabe não me leva até algum monge que execute a técnica! Uau, como eu sou sortuda...

E conforme o tuk-tuk se locomovia, as ruas iam ficando cada vez mais desertas e precárias, e o dia continuava a ir embora. Depois de cerca de meia hora, ele adentrou em uma estrada de terra fazendo um verdadeiro trekking. Não sei de onde tirei forças dos meus bíceps franguinhos para me segurar no veículo e não ser jogada para fora, de tanto que o maldito tuk-tuk balançava na estrada de terra completamente esburacada. Parecia o brinquedo “La Bamba” de parques de diversões, ligado à velocidade máxima.

Quando então ele parou. Antes mesmo que eu pudesse respirar de alívio e arrumar meu cabelo todo bagunçado, vi que estávamos na porta de uma casa, pra ser mais precisa um mini sítio ou fazenda, completamente no meio do mato. Tudo completamente deserto. O motorista desceu foi até o portão da casa e disse para eu entrar. O frio na espinha bateu na porta, mas não havia mais o que fazer alí. Apenas tive o reflexo de olhar para os lados para verificar se havia alguém por perto que pelo menos pudesse ouvir meus gritos em último caso, mas nem mosca havia no local. Nem crianças cambojanas a brincar nos montinhos de areia pelos arredores. Ninguém além de mim, do motorista e do dono da casa que surgiu de lá de dentro, um homem alto, gordo e com um semblante nem um pouco agradável, seguido de mais outros 3 ou 4 homens, passando todos a me encarar descaradamente como se eu fosse um ET.

Respirei fundo passei pelo potão de entrada me mantive na minha com os seis sentidos do meu corpo e mente acionados. Apesar de bem objetivo e nada hospitaleiro, o dono da casa, que era o tatuador me tratou bem e me levou para eu dar uma olhada no “estúdio” onde ele fazia as tatuagens. Era o próprio quintal da casa dele. Nao localizei por perto nenhum vidro de álcool ou quaisquer indícios de higiene no pequeno recinto. Aliás, avistei lagartixas e aranhas pela parede, rs. E aqueles olhares masculinos e nada amigáveis não desgrudavam de mim nem por um segundo.

De qualquer forma, só pelas impressões nada boas que eu tive quando pisei ali, eu já tinha desistido da bendita tatuagem há anos-luz atrás. Dei um sorriso apertado e sem jeito, e disse a ele que estava na dúvida acerca do desenho, que pensaria um pouco e retornaria no dia seguinte.

Logo depois entrei no tuk-tuk e meu motorista me levou embora dali, e eu cheguei no meu hostel sã e salva. Mas fui me perguntando pelo caminho se eu estava com alguma síndrome ou doença de perseguição. Em toda minha vida nunca me vi em uma situação onde tinha absoluta certeza em que o pior aconteceria comigo, como naquele dia. Na Tailândia, os olhares curiosos não eram tão invasivos e amedrontadores quanto em Siem Reap. E então eu concluí que talvez eu seja muito mais diferente para eles do que imagina minha humilde consciência. Fui criada em uma cultura onde é comum o assédio a mulheres através de “cantadas” e olhares maliciosos no meio da rua, e por um momento não me dei conta que aquilo não era o Brasil. Eu realmente devo ter parecido um ET para eles com semblante de assustada, enquanto na verdade, aqueles olhares nada guardavam além de pura curiosidade. Curiosidade de se comunicar com uma estranha tão diferente para eles, e ter acesso a um pedacinho de um mundo além daquela pequena casinha de fazenda, mundo este inacessível para todas aquelas pessoas. Curiosidade essa a mesma que eu carrego dentro de mim, que me faz acordar todos os dias com vontade de conhecer o mundo inteiro de uma vez e me impulsiona para frente como ser humano.

Como eu disse em outro post, eu realmente precisava ter ficado mais tempo no Camboja para me acostumar e entender melhor o povo cambojano. Tirando o primeiro dia, e esse imprevisto à parte, não posso deixar de lembrar da cozinheira carismática, do meu motorista prestativo e das crianças doces com quem conversei no pouco tempo em que estive por lá. Voltarei em breve ao Camboja, para ficar mais tempo e realmente conhecer de perto e a fundo a cultura daquele povo.

Ah, e sobre a tatuagem, eu acabei fazendo em Koh Phi Phi, em uma store na rua do meu hostel, o Backpackes Phi Phi. Encontrei com o André que também queria fazer uma tatuagem mas estava meio sem coragem, e ele me falou de um tatuador que ele tinha visto ali perto, conhecido como "Satan", e que os desenhos que ele fazia eram muitos bons. E de fato, apesar de um nome artístico de espantar qualquer turista, o cara era muito bom, muito prestativo e atencioso. Como desenho desde pequena e já fiz aulas, sou um pouco chata com a qualidade da coisa e com o traçado fino de uma tatuagem. Me surpreendi com a perfeição do traçado e da arte dele. Olhei para o André e falei: “É agora ou nunca. E é proibido desistir”.




Detalhe: passei pomada Bepantol todos os dias, entrei no mar no dia seguinte e, para minha surpresa, não tive qualquer problema na cicatrização. A recuperação da tatuagem feita em bambu foi mil vezes mais rápida e indolor do que a tatuagem convencional feita com a máquina. Missão cumprida. Hoje eu olho para ela nas minhas costas e tenho a certeza de que tudo que vivi naquela ilha foi muito real, e não apenas um sonho.

Abraço =)

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