(Pôr do sol em Bagan, Myanmar)
Passados quase 3 meses do meu retorno
dessa mochilada simplesmente épica pela Ásia central, ca estou eu finalmente
dando início a mais uma temporada de posts de relatos dos lugares que visitei.
Demorei tanto porque foi uma viagem repleta de acontecimentos intensos, uns muitos
bons e outros não tão bons, que mexeram só um tiquinho com o meu tico e teco,
rsrs. Brincadeiras a parte, a Ásia é o meu “calcanhar de Aquiles”. É o lugar
que sempre me intrigou e atraiu por sua cultura, religião e por toda sua áurea
propriamente dita. Alguns acontecimentos de fato me balançaram muito e me
deixaram, digamos, um pouco “travada” para acreditar que algum dia eu
conseguiria relatar com um mínimo de detalhes o que é que tudo aquilo
representou para mim. Foram 43 dias que
se tornaram um divisor de águas e minha vida. Muito aprendizado e vivência de
um mix de sentimentos e sensações inimagináveis, à flor da pele. Pois bem,
passada a fase de crises existenciais de retorno à realidade, la vou eu tentar
passar adiante um pouco do que eu encontrei naquele lugar único.
Desta vez, faz-se inevitável começar
pela série “perrengues de viagens”, e jajá você entenderá o porquê. Mas antes,
preciso inevitavelmente ser sincera com você, meu caro leitor. Não vai ser
possível falar sobre a Ásia sem tocar no assunto espiritualidade e fé. Imagino
que se você pretende conhecer esse país, estes são assuntos que não serão um
problema para você, razão pela qual vou tomar a liberdade de começar por alguns
acontecimentos que sucederam a viagem (e se você não acredita em nada disso,
meu caro, pule esta parte).
Bem, essa foi uma viagem que não
iniciou fácil para mim (e também não terminou fácil, na Índia, vou chegar lá),
pois 24 horas antes do meu vôo de partida do Brasil fui diagnosticada com uma
inflamação (e possível infecção) nos joelhos por conta de um procedimento
médico de infiltração aplicada equivocadamente na região, em razão de uma
tendinite fortíssima. Havia, inclusive,
recebido alguns pareceres médicos que me proibiam de viajar porque poderia prejudicar
minha circulação sanguínea, já que não havia tempo hábil para um diagnóstico
completo da gravidade do meu quadro. Manchas vermelhas e quentes e uma dor
insuportável me impediam de firmar os dois pés no chão e andar sem dificuldade.
Cheguei a escutar de um profissional de renome “você não pode viajar de avião
agora, sua perna tem todos os sintomas de uma infecção que pode ter atingido
seu sistema circulatório, o que pode evoluir para uma trombose em poucas horas
quando tocada pela pressurização, e acho que você sabe o que é que pode
acontecer com uma perna com trombose em um vôo de mais de 15 horas”.
Pensa bem: eu, 6 meses planejando
essa trip, perdendo grana absurda com todas as reservas de vôos, trens, etc que
havia feito, perdendo ou adiando por muito tempo a realização de um dos maiores
sonhos que tinha. Ah, rapaz! Não assim tão fácil.
No dia que antecedeu ao meu vôo de
partida, acordei bem cedo e comecei a corrida de laboratórios + exames médicos.
O plano de saúde dizia que seria impossível a autorização da cobertura dos meus
exames em menos de 3 dias (eu tinha menos de 24hs para estar no aeroporto
embarcando). O laboratório dizia que seria impossível a realização dos meus
exames sem a liberação do plano de saúde (e o valor dos exames cobrado para
realização particular, não se aplicava a minha realidade). Cheguei a entrar em
um laboratório (mancando, claro) e falar com a gerente chorando, implorando
para que ela me deixasse fazer o exame naquele dia e dizendo que iria perder os
meus sonhos e mais de 5 mil reais.
Pois bem. Após a vida ter colocado em
meu caminho algumas pessoas de muito boa vontade, consegui que me liberassem o
exame e entrei dentro daquela câmara de ressonância magnética. Um exame que
duraria cerca de 1 hora durou mais de 3, entre espera e execução. Era a médica
que não entendia o pedido do outro médico, era um que não concordava com o
parecer do outro, e eu no meio, quase vesga de tanto olhar para o relógio e
para aquele vai e vem de enfermeiras que não paravam de passar na minha frente.
Como moro em Santos, litoral de São
Paulo, havia comprando uma passagem do ônibus que me levaria direto ao aeroporto,
que partiria as 18:30h da tarde (meu vôo era de noite). Iniciei os exames as 14h,
as 17h consegui o resultado quando saí disparada para o consultório da minha
médica que havia solicitado tudo, para que ela batesse o martelo final.
Faltavam poucas horas para meu vôo e eu ainda não sabia se poderia viajar.
Muito embora toda a lógica e a razão
dissessem que eu não viajaria naquele dia, eu decidi que não iria desistir de
acreditar que daria certo, até o último minuto, enquanto meu avião não tivesse
decolado. Muito embora eu não conseguisse andar direito e sem dor, eu estava mais
do que disposta a embarcar naquele avião se algum médico me dissesse que eu não
teria trombose e que minha perna não iria explodir durante o vôo.
Demorou mais alguns instantes até que
a minha médica conseguisse me atender, quando finalmente aquela voz doce e
objetiva deu o veredicto: “precisará tomar antibióticos fortes e fazer repouso
extremo por alguns dias, precisará abdicar de passeios nos primeiros dias, mas
pode ir querida, não há quadro infeccioso aqui”.
Sem muito tempo para “dancinhas” de
comemoração e para sair abraçando o português da padaria, dei um beijo na testa
da doutora saí correndo para minha casa. Eu tinha meia hora para tomar um banho
(os próximos 2 dias seriam vagando em aeroportos e provavelmente sem banho),
terminar de arrumar minha mochila e enfiar pelo menos um pão velho no meu
estômago antes que eu desmaiasse, já que a tensão daquele dia havia me tirado a
fome por completo.
Sem parar de correr contra o tempo,
chego pontualmente as 18:30hs na rodoviária para pegar meu bus para o
aeroporto, quando num piscar de olhos, perdi o chão ao olhar para a frente e
ver meu ônibus passar indo embora. Tarde demais. Raios de pontualidade
britânica quando 2 minutinhos de atraso daquele ônibus salvariam a minha vida.
Agora não havia outro ônibus nem como ir para aquele aeroporto. Só havia eu,
mancando e sentada em cima da minha mochila no chão da rodoviária chorando rios
e mundos. Será que não era para eu viajar¿ Será que a existência tentara me
impedir de embarcar porque o avião iria cair¿ Será que não era para eu ir
porque eu seria seqüestrada, estuprada e esquartejada¿ Essas e mais umas 30
perguntas esdrúxulas tomaram conta dos meus pensamentos. Sem chão e sem um
pingo de juízo perfeito para olhar para dentro de mim mesma e tentar
compreender o que estava acontecendo.
5 minutos foram suficientes para que
eu recuperasse um pedaço da minha racionalidade e me lembrasse que tinha o
contato de um motorista particular. Liguei imediatamente e consegui que ele me
levasse até São Paulo, no aeroporto, imediatamente, por 250 reais.
Pagar 250 pratas para poder fazer a viagem
dos meus sonhos me pareceu lindo. Em 20 minutos o motorista me apanhou na
rodoviária. Entrei no carro com a cara inchada e fazendo força para não parecer
ridícula, quando desabei “ai moço, meu dia não ta fácil, eu preciso chorar outra
vez, buaaahh”. Hahahaha. Quem diria! Naquele dia meu estômago doía de tanto
chorar, hoje minha barriga dói de tanto rir dessa história.
Estava ainda pilhada com tudo que
havia ocorrido nas últimas horas, ligada no 220v a observar as gotas de umidade
que escorriam pelo vidro de fora da janela, vencidas pelo vento que soprava
naquela noite, quando a simpática e sorridente aeromoça da Emirates, com aquele
uniforme vermelho bordô e lenços marfim, se aproximou: “Excuse me madam,
vegetarian food¿”. Uau! Minha solicitação de jantar ovo-lacto-vegetariano havia
chegado antes de tudo e todos. Mergulhei de cabeça naquele prato delicioso
feito de cogumelos com tempero mediterrâneo e pãozinho fresco. Nem me lembro de
passarem recolhendo os pratos.
Depois vieram 8 horas num cantinho do
chão do aeroporto de Dubai, 1 dia sozinha em Delhi com direito a um indiano me
seguindo, lençóis do hotel sujos e um banheiro que se eu tentasse tomar um
banho provavelmente sairia em uma situação pior do que havia entrado. Já eram 2
dias sem banho, com perna ainda inchada e mancando. Típicas boas vindas
indianas. Só alegria.
Mais uma noite até o Myanmar, mais um
dia mancando nas stupas douradas de Yangoon (depois de tomar um bom banho,
claro, rs), quando finalmente cheguei a um lugar chamado Botahtaung Pagoda. Um
templo onde atualmente estão guardadas as relíquias dos cabelos de Buda. As paredes
eram impressionantemente cobertas de ouro e bronze e havia uma câmara onde era
possível ver os cabelos de Sidarta Gautama, envoltos em uma redoma de vidro,
condecorados com ouro, diamantes e outras pedras preciosas. Filas de fiéis se
formavam para chegar perto da câmara que guardava as relíquias. Um lugar de
peregrinação, de absoluta paz e energia forte e inigualável.
(Parte interna da Botahtaung Pagoda, Yangoon, Myanmar)
(Botahtaung Pagoda)
(Câmara com as relíquidas de Buda)
(Paredes internas da Botahtaung Pagoda)
Chinelos do lado de fora e pés no
chão, caminhei dentro daquele templo onde também estão um potinho com a areia e
uma folha da árvore onde Buda se iluminou (em Bodgaya, na Índia), bem como
outros objetos e utensílios que pertenceram ao mestre Sidarta. Tudo regado de
história e de uma fé inabalável daquele povo humilde, uma fé e uma esperança que
nem os longos anos da ditadura militar que atualmente domina o Myanmar foram
capazes abalar.
(Pote com areia da árvore onde Buda atingiu o nirvana)
(Folha da árvore onde Buda se iluminou)
Mesmo sem conhecer o Budismo muito a
fundo, me senti acolhida ali, me senti em casa. Não tinha vontade de ir embora.
Não consegui ajoelhar por motivos técnicos óbvios, mas me sentei naquele chão
de madeira, encostei minhas costas naquela parede de ouro e bronze e me
concentrei em sentir a amplitude daquela energia de paz daquele lugar. Pela
primeira vez após os últimos 5 dias resumidos em tensão, eu havia parado de
fato para olhar para dentro de mim mesma, para olhar ao meu redor e buscar
aquela paz e positividade que encontrei naquele templo. E eu pedi a ela, a Deus,
a Buda, ou qualquer que fosse o nome daquela força suprema que ali me guiava
que me curasse, que me ajudasse de alguma forma e me possibilitasse seguir a
viagem e realizar os planos que eu sonhava há muito tempo.
Essa parte da história até eu mesma
custei a acreditar, mas no dia seguinte as manchas vermelhas das minhas pernas
começaram a se transformar em uma cor mais bege e amena. Em 2 dias quase não
havia mais dor e eu não mancava mais. Não precisei mais abdicar de caminhadas
leves nos dias que sucederam. Em 2 semanas eu concluía a trilha do monastério
do Ninho do Tigre, no Butão (trilha de 4 horas, entre ida e volta, de subidas e
descidas íngremes, incluindo escadarias), feliz e com o sorriso do Coringa
rasgado em meu rosto.
É claro que a atuação dos
antibióticos foram indispensáveis para minha recuperação, mas de alguma forma
eu também sei que tinha alguma coisa dentro daquela stupa dourada birmanesa, e
que sem essa “coisa” eu não teria conseguido subir montanhas e fazer trilhas
nos dias vieram depois.
Tive a sorte de ter a oportunidade de
conhecer lugares que até os mais incrédulos admitiriam a força da energia que
neles reinavam, e vou contar em detalhes nos próximos posts.
Abraços! =)
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