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terça-feira, 16 de junho de 2015

Manca, de mochilão nas costas e sozinha rumo à Ásia - O dia em que tudo parecia errado

(Pôr do sol em Bagan, Myanmar)

Passados quase 3 meses do meu retorno dessa mochilada simplesmente épica pela Ásia central, ca estou eu finalmente dando início a mais uma temporada de posts de relatos dos lugares que visitei. Demorei tanto porque foi uma viagem repleta de acontecimentos intensos, uns muitos bons e outros não tão bons, que mexeram só um tiquinho com o meu tico e teco, rsrs. Brincadeiras a parte, a Ásia é o meu “calcanhar de Aquiles”. É o lugar que sempre me intrigou e atraiu por sua cultura, religião e por toda sua áurea propriamente dita. Alguns acontecimentos de fato me balançaram muito e me deixaram, digamos, um pouco “travada” para acreditar que algum dia eu conseguiria relatar com um mínimo de detalhes o que é que tudo aquilo representou para mim.  Foram 43 dias que se tornaram um divisor de águas e minha vida. Muito aprendizado e vivência de um mix de sentimentos e sensações inimagináveis, à flor da pele. Pois bem, passada a fase de crises existenciais de retorno à realidade, la vou eu tentar passar adiante um pouco do que eu encontrei naquele lugar único.


Desta vez, faz-se inevitável começar pela série “perrengues de viagens”, e jajá você entenderá o porquê. Mas antes, preciso inevitavelmente ser sincera com você, meu caro leitor. Não vai ser possível falar sobre a Ásia sem tocar no assunto espiritualidade e fé. Imagino que se você pretende conhecer esse país, estes são assuntos que não serão um problema para você, razão pela qual vou tomar a liberdade de começar por alguns acontecimentos que sucederam a viagem (e se você não acredita em nada disso, meu caro, pule esta parte).

Bem, essa foi uma viagem que não iniciou fácil para mim (e também não terminou fácil, na Índia, vou chegar lá), pois 24 horas antes do meu vôo de partida do Brasil fui diagnosticada com uma inflamação (e possível infecção) nos joelhos por conta de um procedimento médico de infiltração aplicada equivocadamente na região, em razão de uma tendinite fortíssima.  Havia, inclusive, recebido alguns pareceres médicos que me proibiam de viajar porque poderia prejudicar minha circulação sanguínea, já que não havia tempo hábil para um diagnóstico completo da gravidade do meu quadro. Manchas vermelhas e quentes e uma dor insuportável me impediam de firmar os dois pés no chão e andar sem dificuldade. Cheguei a escutar de um profissional de renome “você não pode viajar de avião agora, sua perna tem todos os sintomas de uma infecção que pode ter atingido seu sistema circulatório, o que pode evoluir para uma trombose em poucas horas quando tocada pela pressurização, e acho que você sabe o que é que pode acontecer com uma perna com trombose em um vôo de mais de 15 horas”.

Pensa bem: eu, 6 meses planejando essa trip, perdendo grana absurda com todas as reservas de vôos, trens, etc que havia feito, perdendo ou adiando por muito tempo a realização de um dos maiores sonhos que tinha. Ah, rapaz! Não assim tão fácil.

No dia que antecedeu ao meu vôo de partida, acordei bem cedo e comecei a corrida de laboratórios + exames médicos. O plano de saúde dizia que seria impossível a autorização da cobertura dos meus exames em menos de 3 dias (eu tinha menos de 24hs para estar no aeroporto embarcando). O laboratório dizia que seria impossível a realização dos meus exames sem a liberação do plano de saúde (e o valor dos exames cobrado para realização particular, não se aplicava a minha realidade). Cheguei a entrar em um laboratório (mancando, claro) e falar com a gerente chorando, implorando para que ela me deixasse fazer o exame naquele dia e dizendo que iria perder os meus sonhos e mais de 5 mil reais.

Pois bem. Após a vida ter colocado em meu caminho algumas pessoas de muito boa vontade, consegui que me liberassem o exame e entrei dentro daquela câmara de ressonância magnética. Um exame que duraria cerca de 1 hora durou mais de 3, entre espera e execução. Era a médica que não entendia o pedido do outro médico, era um que não concordava com o parecer do outro, e eu no meio, quase vesga de tanto olhar para o relógio e para aquele vai e vem de enfermeiras que não paravam de passar na minha frente.

Como moro em Santos, litoral de São Paulo, havia comprando uma passagem do ônibus que me levaria direto ao aeroporto, que partiria as 18:30h da tarde (meu vôo era de noite). Iniciei os exames as 14h, as 17h consegui o resultado quando saí disparada para o consultório da minha médica que havia solicitado tudo, para que ela batesse o martelo final. Faltavam poucas horas para meu vôo e eu ainda não sabia se poderia viajar.

Muito embora toda a lógica e a razão dissessem que eu não viajaria naquele dia, eu decidi que não iria desistir de acreditar que daria certo, até o último minuto, enquanto meu avião não tivesse decolado. Muito embora eu não conseguisse andar direito e sem dor, eu estava mais do que disposta a embarcar naquele avião se algum médico me dissesse que eu não teria trombose e que minha perna não iria explodir durante o vôo.

Demorou mais alguns instantes até que a minha médica conseguisse me atender, quando finalmente aquela voz doce e objetiva deu o veredicto: “precisará tomar antibióticos fortes e fazer repouso extremo por alguns dias, precisará abdicar de passeios nos primeiros dias, mas pode ir querida, não há quadro infeccioso aqui”.

Sem muito tempo para “dancinhas” de comemoração e para sair abraçando o português da padaria, dei um beijo na testa da doutora saí correndo para minha casa. Eu tinha meia hora para tomar um banho (os próximos 2 dias seriam vagando em aeroportos e provavelmente sem banho), terminar de arrumar minha mochila e enfiar pelo menos um pão velho no meu estômago antes que eu desmaiasse, já que a tensão daquele dia havia me tirado a fome por completo.

Sem parar de correr contra o tempo, chego pontualmente as 18:30hs na rodoviária para pegar meu bus para o aeroporto, quando num piscar de olhos, perdi o chão ao olhar para a frente e ver meu ônibus passar indo embora. Tarde demais. Raios de pontualidade britânica quando 2 minutinhos de atraso daquele ônibus salvariam a minha vida. Agora não havia outro ônibus nem como ir para aquele aeroporto. Só havia eu, mancando e sentada em cima da minha mochila no chão da rodoviária chorando rios e mundos. Será que não era para eu viajar¿ Será que a existência tentara me impedir de embarcar porque o avião iria cair¿ Será que não era para eu ir porque eu seria seqüestrada, estuprada e esquartejada¿ Essas e mais umas 30 perguntas esdrúxulas tomaram conta dos meus pensamentos. Sem chão e sem um pingo de juízo perfeito para olhar para dentro de mim mesma e tentar compreender o que estava acontecendo.

5 minutos foram suficientes para que eu recuperasse um pedaço da minha racionalidade e me lembrasse que tinha o contato de um motorista particular. Liguei imediatamente e consegui que ele me levasse até São Paulo, no aeroporto, imediatamente, por 250 reais.

Pagar 250 pratas para poder fazer a viagem dos meus sonhos me pareceu lindo. Em 20 minutos o motorista me apanhou na rodoviária. Entrei no carro com a cara inchada e fazendo força para não parecer ridícula, quando desabei “ai moço, meu dia não ta fácil, eu preciso chorar outra vez, buaaahh”. Hahahaha. Quem diria! Naquele dia meu estômago doía de tanto chorar, hoje minha barriga dói de tanto rir dessa história.

Estava ainda pilhada com tudo que havia ocorrido nas últimas horas, ligada no 220v a observar as gotas de umidade que escorriam pelo vidro de fora da janela, vencidas pelo vento que soprava naquela noite, quando a simpática e sorridente aeromoça da Emirates, com aquele uniforme vermelho bordô e lenços marfim, se aproximou: “Excuse me madam, vegetarian food¿”. Uau! Minha solicitação de jantar ovo-lacto-vegetariano havia chegado antes de tudo e todos. Mergulhei de cabeça naquele prato delicioso feito de cogumelos com tempero mediterrâneo e pãozinho fresco. Nem me lembro de passarem recolhendo os pratos.

Depois vieram 8 horas num cantinho do chão do aeroporto de Dubai, 1 dia sozinha em Delhi com direito a um indiano me seguindo, lençóis do hotel sujos e um banheiro que se eu tentasse tomar um banho provavelmente sairia em uma situação pior do que havia entrado. Já eram 2 dias sem banho, com perna ainda inchada e mancando. Típicas boas vindas indianas. Só alegria.

Mais uma noite até o Myanmar, mais um dia mancando nas stupas douradas de Yangoon (depois de tomar um bom banho, claro, rs), quando finalmente cheguei a um lugar chamado Botahtaung Pagoda. Um templo onde atualmente estão guardadas as relíquias dos cabelos de Buda. As paredes eram impressionantemente cobertas de ouro e bronze e havia uma câmara onde era possível ver os cabelos de Sidarta Gautama, envoltos em uma redoma de vidro, condecorados com ouro, diamantes e outras pedras preciosas. Filas de fiéis se formavam para chegar perto da câmara que guardava as relíquias. Um lugar de peregrinação, de absoluta paz e energia forte e inigualável.

(Parte interna da Botahtaung Pagoda, Yangoon, Myanmar)

(Botahtaung Pagoda)

(Câmara com as relíquidas de Buda)

(Paredes internas da Botahtaung Pagoda)

Chinelos do lado de fora e pés no chão, caminhei dentro daquele templo onde também estão um potinho com a areia e uma folha da árvore onde Buda se iluminou (em Bodgaya, na Índia), bem como outros objetos e utensílios que pertenceram ao mestre Sidarta. Tudo regado de história e de uma fé inabalável daquele povo humilde, uma fé e uma esperança que nem os longos anos da ditadura militar que atualmente domina o Myanmar foram capazes abalar.

(Pote com areia da árvore onde Buda atingiu o nirvana)

(Folha da árvore onde Buda se iluminou)

Mesmo sem conhecer o Budismo muito a fundo, me senti acolhida ali, me senti em casa. Não tinha vontade de ir embora. Não consegui ajoelhar por motivos técnicos óbvios, mas me sentei naquele chão de madeira, encostei minhas costas naquela parede de ouro e bronze e me concentrei em sentir a amplitude daquela energia de paz daquele lugar. Pela primeira vez após os últimos 5 dias resumidos em tensão, eu havia parado de fato para olhar para dentro de mim mesma, para olhar ao meu redor e buscar aquela paz e positividade que encontrei naquele templo. E eu pedi a ela, a Deus, a Buda, ou qualquer que fosse o nome daquela força suprema que ali me guiava que me curasse, que me ajudasse de alguma forma e me possibilitasse seguir a viagem e realizar os planos que eu sonhava há muito tempo.

Essa parte da história até eu mesma custei a acreditar, mas no dia seguinte as manchas vermelhas das minhas pernas começaram a se transformar em uma cor mais bege e amena. Em 2 dias quase não havia mais dor e eu não mancava mais. Não precisei mais abdicar de caminhadas leves nos dias que sucederam. Em 2 semanas eu concluía a trilha do monastério do Ninho do Tigre, no Butão (trilha de 4 horas, entre ida e volta, de subidas e descidas íngremes, incluindo escadarias), feliz e com o sorriso do Coringa rasgado em meu rosto.

É claro que a atuação dos antibióticos foram indispensáveis para minha recuperação, mas de alguma forma eu também sei que tinha alguma coisa dentro daquela stupa dourada birmanesa, e que sem essa “coisa” eu não teria conseguido subir montanhas e fazer trilhas nos dias vieram depois.

Tive a sorte de ter a oportunidade de conhecer lugares que até os mais incrédulos admitiriam a força da energia que neles reinavam, e vou contar em detalhes nos próximos posts.


Abraços! =)

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