Páginas

domingo, 22 de março de 2015

India: Sobre idas e voltas

(Amanhecer no Rio Ganges, Varanasi)

Bem, cá estou eu dando início a mais uma temporada de posts de relatos de viagens, após concluir essa incrível e única mochilada que durou 43 dias ao redor da Ásia, passando pelos países: Myanmar, Índia, Nepal e Butão, com uma rápida parada nos Emirados Árabes.


Todos os lugares extraordinariamente sensacionais, cada um em sua singularidade, mas o destaque não poderia ser outro se não um lugar chamado Índia. A Índia foi o país, digamos, mais intenso, repleto de coisas boas e não tão boas, que vão virar você de cabeça pra baixo, sacudir a sua alma e mexer com cada fio de cabelo seu.

A decisão de ida para a Índia é algo que exige MUITO preparo de quem a escolhe, independente do seu perfil e estilo de viagens. Preparo mental, físico, emocional e espiritual também. Durante um tempo você vai precisar se livrar de vários conceitos e padrões da sua vida atual e abstrair muita coisa. Do contrário será tempo e dinheiro jogados no lixo. Positivamente, você vai terminar a viagem enxergando nitidamente como você perde tempo e vida com coisas pequenas e mesquinhas que não fazem o menor sentido.

E é claro que a volta não poderia ser diferente. Leva-se tempo para catalisar e apurar um turbilhão de diferentes emoções causadas pelos mais diversos acontecimentos e situações que você vai encontrar por lá. Ainda estou em processo disso, sem ter a menor idéia de quanto tempo levarei para “voltar” de verdade, se um mês, um ano ou uma vida inteira.

O fato é que a escolha de pisar na Índia definitivamente não se trata de uma viagem comum. Não é um lugar que você vai para descansar, relaxar, nada disso. É o lugar que vai dar um tapa na sua cara, sacudir sua alma, esfregá-la, batê-la, pendurá-la na sua frente e te mostrar verdades duras e lindas, sobre o mundo e sobre você mesmo. Vai te mostrar uma mistura e contraste de paisagens, realidades, cheiros e energias.

Vai te mostrar coisas maravilhosas também. O bordão “ame ou odeie esse lugar” realmente se aplica muito bem. Você vai odiar ou amar, ou os dois juntos, como aconteceu comigo. Se estiver preparado para isso, vá em frente, escolha melhor pode ter certeza que não há.

Leia bastante sobre o país antes, pesquise muito sobre os lugares que deseja visitar. Eu fui sabendo de tudo que poderia encontrar pela frente, me surpreendi ainda assim porque é um lugar que ultrapassa qualquer explicação e entendimento para quem ainda não foi, mas eu estou apaixonada pelo que ela fez e ainda está fazendo comigo, apesar de todas as dificuldades físicas, emocionais e energéticas enfrentadas.

Bom, primeiramente, quando na Índia, especialmente se você for no modo mochilão de viagem como eu fui, e se pretende visitar certas cidades como por exemplo Varanasi, tenha ciência de que você VAI chegar no seu limite no quesito higiene. Vai ter acesso a uma realidade que jamais imagina, vai aprender a abdicar de banhos diários, e de olhar muito a limpeza da comida servida em sua mesa antes de dar a primeira garfada, vai ter que aprender a não dar muita importância para o pó preto que vai estar sempre presente nas suas refeições (sim, sujeira), na grande maioria dos lugares sejam eles caros ou não, quer você queira quer não.

A teoria de lavar as mãos + álcool em gel a cada 5 minutos é linda, mas com o passar dos dias ela vai virando só teoria mesmo. Se pretende mochilar no país mais de 1 semana, tenha em mente que você VAI ter que aprender a tomar banho frio, comer comida suja, dormir e acordar com o pé sujo, pele seca, poluição nadando nas suas vias respiratórias, usar banheiro de fossa e criar um caso de amor com o lenço umedecido.

Vá munido de medicamentos fortes para estômago e intestino. Não caia na ideia de escovar os dentes com qualquer água que não seja a engarrafada e lacrada. Água não engarrafada, ainda que em hotéis caros, esqueça.

E o principal de tudo, abstraia as diferenças, as burocracias, as chatices e a sujeira,  e SINTA o lugar. Se você está lá, não foi por acaso que a vida te levou para um lugar onde as vacas pastam nos montes de lixo no meio da rua, onde a miséria e a pobreza imperam.  Procure enxergar além do que seus olhos conseguem ver.

E você vai virar e me perguntar: você gastou uma grana para ficar no meio da miséria, pegar um piriri ferrenho, ficar internada em hospital indiano e ainda acha tudo isso bom. Vale mesmo a pena?

Vale! Para mim valeu demais, e ainda está valendo. São experiências de vida que nenhum outro lugar no mundo te proporcionaria. Uma viagem sem volta, arrisco dizer. Porque apesar de todas as dificuldades externas, a inquietação e provocações internas serão inevitáveis quando você voltar.  Se você conseguir realmente SENTIR a Índia, você não vai voltar a mesma pessoa que foi, lide com isso, mergulhe nisso.

Saiba também que a Índia vai te ensinar muito sobre uma palavrinha chamada aceitação. Conversamos disso na sua volta, rs.

No mais, ande sempre de sapatos fechados e olhando para baixo para desviar dos bolos de lixo misturado com merda (merda mesmo) e flores. Prepare-se para conviver com esse cheiro (em Varanasi, tive dor no baço de tanto respirar pela boca, porque pelo menos pela boca você não sente cheiro). Ande olhando para frente, pois vai precisar desviar das vacas, bodes, tuktuks e rickshaws que parecerão sempre vir a te atropelar. Se tem problemas com poluição sonora, ache um lugar seguro dentro de si próprio e entenda que lá a sinfonia de buzinas é permanente e não dá trégua um minuto. Abstraia, você está na Índia. E acima de tudo, saiba o momento certo de olhar para cima, pois vai sentir um aroma de incenso misturado com sândalo, jasmim e rosas que provavelmente vai ser o mais gostoso que já sentiu na sua vida. Vai ver um pôr do sol digno de cinema, que é melhor definido como uma bola vermelha (nem amarela, nem laranja, vermelha mesmo) que desce devagar rasgando o céu. E ao seu lado um Sadu fazendo uma oração hindu. No meio da sujeira e do caos, não duvide que a fé daquele homem vai no mínimo te intrigar, independente da sua religião e crença.

E acredite, mesmo com tantos motivos para odiar esse lugar, é lindo. É forte, e é mágico.

Para deixar esse texto um pouquinho mais light, eu também posso te falar que se você quiser gastar um pouco mais pode pegar um hotel bacana com uma cozinha melhorzinha, contratar um guia que vai te levar até a porta do Taj Mahal e não deixar você ver tudo que acontece ao redor do Ganges. Mas eu duvido muito que você vai conhecer a Índia de verdade fazendo isso.

Nas cidades mais desenvolvidas é possível sim achar restaurantes e hotéis chiquetosos e melhores condições. Muitos deles, mesmo mais caros, apresentam preços consideravalmente inferiores aos padrões ocidentais com os quais estamos acostumados. Se achar que não está tão preparado ou afim de ver tanta pobreza e miséria, evite cidades como Amristsar, Vrindavan e Varanasi, e concentre-se no triângulo dourado (Delhi, Agra e Jaipur) e nos pontos turísticos do Rajastão, o estado mais rico da Índia. A região do Rajastão é a região dos “Marajás”, lugar que vai fazer você se sentir dentro do desenho animado do Alladin.

ANDE. Pelas ruas de Delhi, pela Main Bazar da Pahar Ganj, pelos becos de Vrindavan, pelos Ghats de Varanasi, pelo charmosíssimo vilarejo de Mc Leod Ganj, a perder-se de vista pela neve que cobre os picos do Himalaia, ANDE. 

Para aproveitar o que a Índia tem de melhor desça do táxi, do busão, "ponha seus pés no chão", olhe ao seu redor, mas procure sempre enxergar além daquilo que encontrar em sua frente.

Entre idas e voltas, sentimentos, acontecimentos e experiências únicas, uma coisa você volta compreendendo: a vida em si, suja ou limpa, organizada ou caótica, vai ser sempre LINDA. Erro nosso que confundimos linda com fácil.

Um comentário: